14 de jul. de 2011

Portais de Hércules e Caminho do Índio - 8, 9 e 10 de julho.




Essa história começa 3 meses atrás, quando os Camelos decidiram fazer, pela quinta vez, a travessia Petrópolis-Teresópolis, um de nossos programas favoritos. E essa preferência se justifica não só pela beleza da trilha em si, não só para ficar isolado do mundo civilizado por alguns dias, mas principalmente pelo privilégio de conseguirmos fazer tudo isso juntos.




Porém, na semana anterior à data marcada, de um grupo de 12 camelos que estavam confirmados para ir, 8 desistiram por motivos diversos - uma verdadeira conjunção dos astros ao contrário, hehehe. Dos 4 que restaram, dois nunca haviam feito a travessia. E ainda por cima soubemos na véspera que ficaríamos sem corda, item de segurança sem o qual recuso-me a passar no cavalinho e na passagem anterior a ele.




Mesmo assim, resolvemos ir e ver no que dava. Afinal, já tínhamos comprado o ingresso e não queríamos suportar um prejuízo à toa. Eu, George, William (que já havia ido conosco no Papudo/São Pedro/Morro da Cruz) e Thiago fomos os 4 que restaram. Os dois últimos saíram direto do trabalho para a rodoviária Novo Rio, onde nos encontramos já quase na hora de saída do ônibus das 18h30min para Petrópolis. O tempo estava horrível no Rio, mas a previsão do tempo garantia que os dias seguintes seriam de sol na serra.




Chegamos em Petrópolis e nada do George aparecer. Ele veio por Nova Iguaçu, mas seu ônibus atrasou 50 minutos. Fazia um frio considerável na rodoviária de Petrópolis, e o George chegou poucos minutos antes da saída do ônibus que nos levaria à nossa próxima conexão: o Terminal Corrêas. De lá, esperamos mais um pouco até a chegada do famigerado 616 - PINHEIRAL, que nos deixaria quase na porta do parque. Chegamos na portaria do parque por volta das 22h30min, onde fizemos um bivaque. Felizmente, não chovia. E fui dormir tenso e desmotivado com as incertezas que nos cercavam: será que conseguiremos arranjar corda com algum outro grupo? Será que os novatos aguentarão o ritmo? Será...




Virei de lado e dormi.







SEXTA-FEIRA, 8 de julho.



Acordamos por volta das 05h45min. O George disse que, durante a madrugada, um cachorrinho veio até onde estávamos dormindo e ficou cheirando nosso material, hehehe. Tomamos café, ficamos mais despertos e, por volta das 06h35min, começamos a subida. O tempo estava aberto, um lindo dia na serra. Pouquíssimas pessoas subiam. Na nossa primeira parada, na bifurcação do Véu da Noiva, encontramos com um trio que iria direto para o Abrigo 4, no Sino. Paramos para descansar e eles passaram direto.






Estávamos num bom ritmo, sem pressa, e toda hora alertando o William e o Thiago: "Olha, essa subidinha para a Pedra do Queijo é bem chata...", "se cansar, avisa...". E no meio dessas recomendações, subindo na maior calma, eis que em 47 minutos depois da saída da bifurcação do Véu, chegávamos na Pedra do Queijo inteiraços, hehehe. Bem diferente do ano passado, quando subi gripado e levei mais de uma hora com umas 3 paradas para conseguir chegar. Saúde e preparação é tudo!





Nos abastecemos, vimos a paisagem do Vale do Bonfim e, em seguida, continuamos a subida em direção ao Ajax, onde combinamos parar por 30 minutos. A subida estava extremamente agradável, todos estavam suportando muito bem o esforço, a temperatura estava ideal e subíamos sozinhos pela trilha.





Uma hora depois da saída da Pedra do Queijo, chegávamos ao Ajax. Abastecemos os cantis, comemos, descansamos e em seguida fomos encarar a ladeira da Isabeloca. Algumas nuvens começaram a chegar e começamos a temer a possibilidade de não termos uma boa vista no chapadão do Açu.





A subida foi uma das mais tranquilas de todos os tempos, hehehe. Quase não cansamos, pois subimos num ritmo lento, mas tenaz, com rápidas paradas para preservar o fôlego. Quando menos esperávamos, já havíamos subido 3/4 da ladeira e isso nos motivou. Os novatos estavam muito bem, as nuvens traiçoeiras haviam se afastado e a Pedra do Urubu, que marca o final da ladeira da Isabeloca e o início do chapadão do Açu, estava cada vez mais próxima.





O visual da Pedra do Urubu é um verdadeiro motivador para quem está subindo. De lá, dá para ver todo o caminho percorrido: a portaria no Bonfim, a Pedra do Queijo, o Ajax e a Isabeloca. Sempre bate um vento restaurador lá em cima. Da Pedra, falta só uma hora para chegar no Açu, e ainda por cima esse caminho será trilhado pelo chapadão, um de meus lugares favoritos. Se tudo estava a nosso favor desde o início do caminho, agora mesmo é que estávamos na cara do gol!





Quase chegando ao Açu, avistamos ao longe uma pessoa cortando o mato da trilha. Mais parecia um beduíno no meio da miragem. Quando chegamos perto, vimos que tratava-se de um funcionário da Hope (empresa que ganhou a licitação para cuidar dos abrigos e venda de ingressos no parque). Era o Carlos, com quem conviveríamos pelos próximos dias. Com o corte que ele fazia, o caminho ficou bem mais definido, sem o excesso de mato característico desta parte da trilha. Uns 20 minutos depois, chegávamos ao Abrigo 5, no Açu, onde encontramos os 3 caras que já havíamos passado noa bifurcação do Véu da Noiva. Eles seguiram para o Abrigo 4 e nós fincamos nossa bandeira no Açu.










Enquanto William e Thiago montavam sua barraca e George fazia o mesmo, eu me alojava no abrigo. Era a única pessoa hospedada lá, hehe. Conheci o Hamilton, o funcionário mais gentil e gente boa que já pisou no PARNASO em todos os tempos, hehehe. Ficamos surpresos com tamanha eficiência. Esta aí a prova que, hoje em dia, basta alguém ser solícito e educado que se destaca imediatamente da maioria. Além de conhecedor dessa região (passeia por ali desde os 8 anos d eidade), ele também é membro do CEP.




Havia muito pouca gente subindo naquele dia, acho que a maioria preferiu não arriscar pensando que o tempo fecharia. Mas o que víamos era como se o parque estivesse dentro de uma bolha de tempo aberto, enquanto todo o horizonte estava tomado por nuvens.


Depois de alojados, fomos andar pelas redondezas do Açu. Enquanto o Thiago dormia na barraca, eu, George e William procurávamos a entrada do Caminho do Índio, que nos levaria à parte baixa do Morro do Açu. Como já estava quase na hora do sol poente, deixamos nossa procura para lá e fomos para o cruzeiro do Açu ver o pôr-do-sol.




Fazia um frio animal no cruzeiro, ventando demais, e faltando uns 10 minutos para o sol sumir, eu e William desistimos e descemos. George ficou e registrou o astro-rei indo embora.






A noite caiu rapidamente e um frio digno da serra veio junto. Às 19h00, fazia 7º C. Nossos pés começaram a doer de frio, não importava a quantidade de meias que colocássemos. Paralelamente a isso, o céu estava muito limpo e começamos a avistar vários satélites. De repente, um dos acampados em frente ao abrigo falou em tom enigmático: "Vocês têm certeza mesmo que são satélites?". O que veio em seguida foi um relato de um contato imediato de quarto grau que ele disse que teve no Peito da Pomba, em Sana. Foi a sensação da noite no abrigo 5, hehehe.




Enquanto isso, George negociava uma corda e até conseguiu de um funcionário do parque, que naquele dia estava de folga e guiava um grupo, a promessa que ele deixaria sua corda no cavalinho para que pudéssemos usar e em seguida devolvê-la no abrigo 4. Mas, a essa altura, pesando todos os prós e contras que se apresentavam naquele momento, estávamos mais propensos a não finalizar a travessia e tentar algo novo: os Portais de Hércules!




Dormi sozinho no abrigo, e o Hamilton até arranjou-me um colchão (eu estava na área de bivaque), o que foi providencial para aguentar o frio de 0º C que fez durante a madrugada. William, Thiago e George sofreram bastante também - sobretudo nos pés. Mas quem está na serra não pode esperar algo muito diferente mesmo, hehehe.







SÁBADO, 9 de julho






Às 05h00, o Hamilton me acordou. O sol nasceria às 05h32min, então tratei de me agasalhar com tudo o que estivesse à mão e fui com o pessoal assistir ao sol nascente. Ele apareceu pontualmente por trás dos 3 Picos de Friburgo às 05h32min mesmo. Tomamos café, decidimos de vez que não terminaríamos mais a travessia, comunicamos essa decisão ao pessoal do abrigo (que teria que avisar isso ao pessoal do abrigo 4, onde tínhamos reservas, e ao pessoal das duas portarias), preparamos nossas mochilas de ataque e fomos em direção ao Morro do Marco. Objetivo da manhã: conhecer os Portais de Hércules, tido por muitos como o mais espetacular mirante de todo o PARNASO.




Toda a tensão, desmotivação, surpresas desagradáveis e incertezas dos últimos dias haviam sumido. Agora não dependíamos de mais nada e de ninguém, e essa autonomia me fazia ficar amarradão para conhecer um lugar que sonhava em pisar há mais de 5 anos! Sentia que George, William e Thiago estavam na mesma sintonia e nos entregamos ao simples e imenso prazer de trilhar um caminho totalmente novo para nós. Meus olhos brilhavam. O brilho da novidade!




Descemos a laje do Açu com um tempo aberto e visuais de tirar o fôlego na direção do Vale do Bomfim. No caminho, cruzamos por diversos jardins de bromélias, todas com gotículas de gelo nas folhas.






Rapidamente, chegamos no colo entre o Açu e o Morro do Marco. Com mochilas de ataque, chegamos ao cume em menos de 15 minutos! Enquanto isso, as cargueiras descansavam nas barracas e no abrigo, hehe. Do cume, avistávamos boa parte da cadeia de montanhas, e láááááá´embaixo, no final da descida natural da montanha do Marco, a pontinha de uma agulha (Coroa do Frade). É bem de frente para essa agulha que fica o mirante dos Portais de Hércules.






Daí em diante, foi uma vertiginosa descida de aproximadamente uma hora, com um caminho muito parecido com o tipo de terreno do chapadão do Açu - muitas lajes de pedra e capim-de-anta. O caminho é todo marcado por pequenos totens de pedra e setas riscadas nas lajes, e aproveitamos para reforçar essas marcações e refazer alguns totens que estavam caídos.




Já quase no mirante, há um pequeno descampado onde dá para montar uma barraca e ao lado uma formação de pedras (para proteção contra o vento) onde se pode cozinhar. Depois, ficamos sabendo que é um local de acampamento para quem vai atingir a agulha da Coroa do Frade, onde é necessário fazer um rapel de 80 metros pelo abismo.










Há muito tempo que não experimentava uma sensação de liberdade tão grande como neste lugar. Tudo lá é imponente e silencioso. Descíamos sem a menor pressa, tínhamos o tempo a nosso favor. Curti o máximo que pude todos os momentos do caminho, e depois de uma hora de descida, eis que chegamos à beira do abismo. Na verdade, havíamos chegado em um dos mirantes dos Portais. Para chegar ao mirante principal, teríamos que passar por um trecho de capim-de-anta da minha altura, atravessar para o outro lado passando por dentro de um riachinho e só aí atingir a pequena laje de pedra do mirante.











É impressionante o tamanho do abismo e a proximidade da agulha do mirante! As fotos e filmagens não conseguiram exprimir a real dimensão de distância e tamanho das coisas neste lugar. De lá, dá para ver a área intangível do parque, que é proibida à visitação: longas escarpas totalmente cobertas de vegetação, um abismo enorme, e um paredão ao lado do mirante mais enorme ainda (hehehe). Emoldurando a paisagem, toda a cadeia do PARNASO, com as nuvens em constante movimento passando pelos picos mais altos. No meio dessa experiência sensorial, só nos restou sentar, descansar, fazer nosso lanche e aproveitar o dia!












Hora de voltar, pois tínhamos mais uma hora de subida e já começava a fazer calor. Felizmente, há um riachinho e pude me abastecer para a volta. Satisfeitos, fica mais fácil subir. Chegamos ao Marco, onde encontramos um grupo que subia em sentido contrário (sentido travessia), e logo depois já estávamos no abrigo. Lá, encontramos quatro mineiros que estavam de passagem (dois fariam ainda a escalada da Agulha do Diabo, e os outros dois só a travessia). Saíram juntos.




Com isso, ficamos só nós e os dois funcionários do abrigo em toda a região do Açu. Nenhuma outra barraca, ninguém. Almoçamos, tiramos um cochilo sob o sol na laje de pedra que fica de frente ao abrigo e ficamos nessa paz e silêncio de 12h30min até aproximadamente 15h00, quando começaram a chegar alguns grupos de "aborrecentes" (os moleques pareciam ser do Restart) e outros trilheiros vindos de Petrópolis. Mas tínhamos em mente um objetivo para aquela tarde: conhecer o Caminho do Índio, cuja entrada fica nas proximidades do abrigo. A atração seria um pequeno poço abrigado por pedras. Pegamos umas dicas com o Hamilton, o guia e por volta das 15h00 fomos à luta!








Depois de uns 10 minutos que havíamos saído do abrigo, chegamos numa laje de pedra que é o ponto mais alto do caminho, de onde tiramos a foto acima (um mini Portais de Hércules, hehe). De lá, avistávamos toda a parte baixa do Açu (aquela área enorme que se avista da área de barracas) e trilharíamos por boa parte dela, outro sonho antigo meu, que tinha muita curiosidade em saber como era aquela área. E é linda!










A partir daí, para mim tudo foi uma grande diversão. Procurando caminhos, seguindo totens, abrindo picadas no braço, cortando-se com mato... Ou seja, totalmente entregue ao prazer de andar por caminhos desconhecidos. Passamos por algumas pedras curiosas (a Pedra da Bola era a mais pitoresca) e nada de achar o tal riachinho.









Desistimos de achar o tal riachinho (as indicações do guia estavam meio confusas) e voltamos para o acampamento. Fomos ver o visual noturno da área de barracas e emseguida voltamos para o abrigo para afzer nosso rango. Pegamos tudo que restava de comida e no final acabamos produzindo uma deliciosa gororoba com sopão de entrada e miojo com sardinha/atum de prato principal.




Com as facilidades do abrigo, lavamos rapidinho as panelas e pratos e já estávamos prontos a nos entregar ao ócio, batendo papo furado na laje em frente ao abrigo e vendo estrelas cadentes até dar sono. O frio estava menor nesta noite, e fui dormir leve, com a certeza de que o dia 9 de julho de 2011 tão cedo não sairá de minha memória.








DOMINGO, 10 de julho





Hora de partir. Café, desarmar barracas, ver os últimos detalhes. Conhecemos um senhor de 66 anos, o José Luiz, que tinha uma foto de 1966 dele com mais 3 amigos acampando no abrigo de pedras do Açu! Isso foi há 45 anos, e ele estava retornando ao Açu exatamente naquele final de semana, 45 anos depois. Naquela época, eles vinham a pé de Corrêas, pois o parque não tinha entrada no Bonfim - e isso dava duas horas de caminhada adicional. Inclusive, foi o neto dele quem tirou essa foto aí em cima, onde aparecem o Thiago, Hamilton, Carlos, eu, William e George. Uma foto marcante desses três dias no Açu.




Era uma experiência nova descer pela portaria de Petrópolis, e as paisagens estavam impactantes nesse dia. Para qualquer direção que se olhasse, só coisas lindas de se ver. O que tornou a descida bastante agradável e alto-astral.




No caminho, o George deu a ideia de tomarmos um banho antes de sairmos do parque - e é claro que foi amplamente apoiado. Só não sabíamos se seria no Véu da Noiva ou no Poço Paraíso. Acabamos, no final, optando pelo Poço da Ducha, uma área de fácil acesso e mais afastada do povo que fica no Poço Paraíso, mas que também faz parte do Circuito das Bromélias - que faz a ligação entre todos os lagos e riachos desta parte do parque.





Quando chegamos lá, era quase inacreditável que um lugar maravilhoso como aquele estivesse totalmente à nossa disposição. Só que a água estava tão gelada que foi difícil encarar mais do que 10 segundos dentro dela, hehe. Foi para terminar com chave de ouro nossa estadia no parque.




Saímos do parque sedentos por uma Coca estupidamente gelada. Descemos bastante o bairro do Bonfim até finalmente acharmos o nosso líquido negro uns 40 minutos depois. Fizemos nossa celebração enquanto esperávamos o ônibus para o terminal Corrêas. Chegando lá, pegamos outro ônibus até a rodoviária mas, antes disso, ele quebrou na estrada e ficamos esperando a chegada do próximo. Sinistro... No final, nos despedimos na rodoviária com a sensação de que havíamos realizado algo especial.




Na volta para casa, pensando nos 3 dias passados no PARNASO, só pensei na frase que o William repetia seguidamente quando estávamos chegando nos Portais de Hércules: "Esse lugar é mágico!".




Ele está coberto de razão!



Beijos e abraços em todos e até a próxima camelaaadaaaaaaaaa!







PS: Fica a dica - o Hamilton disse que o mirante mais lindo do PARNASO é o do Morro do Eco - 9 horas ida e volta, saindo do Abrigo do Açu. Quem sabe este não é o próximo?