25 de ago. de 2009

SERRA FINA 2009 - QUARTO DIA

4º Dia – 16/07/2009 – Quinta-Feira – RUMO AO PICO DOS TRÊS


ESTADOS ENFRENTANDO O TEMIDO VALE DO RUAR


Acordamos cedo e muito felizes, pois o dia estava favorável. O sol voltou a brilhar e os ânimos se acenderam. Dinho estava recuperado, otimista e pronto para seguir. Eu estava melhor, em virtude da virada positiva do tempo. O restante da rapaziada estava afiando os cascos e prontos para seguir. Subimos pra ver o nascer do sol e ficamos eufóricos com o visual e o tempo bom. Tiramos muitas fotos e descemos para a cratera, a fim de levantar acampamento.

16/07/09, quinta-feira, 7:10h – Amanhecer no topo da Pedra da Mina. Enfim, tempo bom de novo

16/07/09, quinta-feira, 7:12h – Comemoração e euforia, celebrando o novo dia que chegou

Lanchamos, colocamos o equipamento para secar, levantamos acampamento e nos despedimos do Guto, que estava retornando pelo Paiolinho, conforme previsto.


16/07/09, quinta-feira, 7:34h – A cratera da Pedra da Mina. Ótimo ponto de camping, protegido das intempéries do topo e com o chão macio e plano

16/07/09, quinta-feira, 9:06h – Eu e Rodrigo nos despedindo do Guto, que iria retornar pelo Paiolinho, em virtude de um compromisso familiar. Agora era por nossa conta e risco apenas

Agora era por nossa conta e risco, embora o Guto tivesse passado dicas preciosas do caminho a seguir, nos apontando a rota, do cume da Pedra da Mina, a apreensão era visível, já que sabíamos que não poderíamos mais contar com o GPS, principalmente, se o tempo resolvesse virar. Mas não havia retorno para nós e resolvemos seguir.
O Guto havia nos instruído a descer por 40 minutos pela pedra e, ao Chegar ao Vale do Ruar, deveríamos encarar a “floresta de Capim de Anta”, sem trilha, procurando a direção de um cânion que ficava entre duas montanhas. Ao achar um córrego, deveríamos pulá-lo e segui-lo, mantendo-o a nossa esquerda, até que o Vale começasse a fechar entre duas montanhas. Daí então, deveríamos quebrar 90º à direita e procurar um único Tóten localizado no cume de uma montanha próxima. Achado o Tóten, deveríamos seguir ziguezagueando o capim de anta, já que é impossível encará-lo de frente, até o tal Tóten, que nos indicaria a saída do Vale do Ruar.
A teoria parecia fácil, mas, pra variar, se mostrou muito diferente na prática.
Partimos as 9:15h, com uma hora de atraso. Porém, era preciso, pois necessitávamos secar o equipamento. A descida até o vale do Ruar foi previsível. Bastante íngreme, porém, sem maiores dificuldades.
Logo estávamos de frente a uma imensa floresta de capim de anta com mais de 2m de altura e quase sem trilha. Logo achamos o córrego e tratamos de pulá-lo, conforme instrução do Guto.

16/07/09, quinta-feira, 10:52h – Guto se preparando para decolar e pular o córrego no Vale do Ruar

Daí em diante, nossos problemas começaram, pois, de repente, a trilha que já era ruim, desapareceu e perdemos a referência do Rio.
Neste ponto o grupo se dividiu, pois o GPS marcava o caminho pela direita, subindo diretamente por um morro com o capim de anta muito fechado. O Rodrigo insistia que deveríamos quebrar para a esquerda e procurar o rio, conforme indicação do Guto, mas eu, em um ataque de liderança desenfreada, achei que deveríamos seguir as instruções do maldito GPS.
Ainda vinha em minha cabeça a experiência na Serra dos Órgãos a dois anos atrás, quando não confiamos no GPS e acabamos tendo que descer uma ribanceira de pedra, que quase nos levou a um acidente.
Eu estava errado, pois o caminho por mim escolhido era impossível de seguir, além de nos levar, caso insistíssemos a ficar sem água e fora da rota.
Parei, refleti, dei razão ao Rodrigo, que a essa altura já estava puto e me chamando de teimoso, com razão, por sinal e propus ao grupo, se dividir em dois.
Enquanto fiquei parado no local, mais elevado, com parte do grupo, o Rodrigo seguiu com o Dinho e o André em busca do Riacho.
Não demorou e eles nos comunicaram pelo rádio que haviam achado o caminho e seguimos felizes até eles, enfrentando o capim de anta pelos peitos
Seguimos flanqueando o córrego pela nossa esquerda até que a cânion se fechou.

16/07/09, quinta-feira, 11:22h – Último ponto de água da travessia. Fica no Vale do Ruar. A água mais pura que já bebi em minha vida. Água agora, só no final da travessia

Abastecemos-nos de água. E quebramos para a direita a procura do tóten em cima do morro.
Mas qual morro? A neblina, de repente, tomou conta do Vale e mais uma vez não se via nada!
E agora? Não preciso dizer que o GPS não marcava nada, com sua margem de erro média nunca menor do que 25 metros.
Saímos peitando aquele insuportável e quase intransponível capinzal, procurando subir o morro, completamente sem referência.
Cabe aqui, abrir mais um parágrafo para falar sobre o Jackson.
São nas horas difíceis que os heróis se apresentam e desta vez não foi diferente.
Antes de iniciarmos o dia, havíamos traçado uma estratégia para enfrentar o Vale do Ruar.
Como o terreno prometia ser muito difícil, sem trilhas e com muitos buracos, com poças escondidas de até dois metros de profundidade, conforme os relatos lidos e confirmados pelo Guto, acertei com o Jackson, que, como eu teria que navegar (ou tentar) pelo GPS, não poderia olhar a trilha. Assim ele iria um metro na minha frente, de olho no chão, enquanto eu ficava com os olhos grudados no GPS instruindo a sua direção.
Esta fórmula deu certo, parcialmente, já que o GPS não ajudou muito, ou quase nada.
O fato é que o Jackson enfrentou toda a situação como um adulto e liderou o grupo por todo o Vale do Ruar.
Quando chegamos ao cânion e a situação piorou, o garoto encarou o capim de anta pela frente, liderando o grupo, até que, numa “janela” na neblina o André visualizou o Tóten e a coisa ficou melhor, pois daí em diante, teríamos um farol para nos indicar a saída daquele lugar.
Saímos! Foi muito duro, exatamente como todos os relatos nos indicaram, Muito difícil e sofrido este trecho do Vale do Ruar.
Paramos ao lado do desejado, maravilhoso e amigo Tóten e descansamos.
Foi então que o Jackson mostrou a extensão de seu sofrimento, dignidade e valentia, pois suas mãos estavam todas cortadas e sangrando, em virtude de sua luta com aquele capinzal.

16/07/09, quinta-feira, 12:15h – Esse garoto é um Leão. Liderou a travessia do Vale do Ruar e terminou com as mãos inchadas e com sangue. Observem a expressão de seu semblante. Grande garoto!

16/07/09, quinta-feira, 12:15h – Final da travessia do Vale do Ruar. Embora não pareça, esta foto foi tirada de cima do morro logo após o Vale do Ruar. Observem o Tóten por cima da mochila do Jorginho e lá embaixo, toda a imensidão do temido Vale do Ruar, atrás do Rodrigo,com sua floresta de Capim de Anta. Embora pareça um gramado, o Rodrigo está na beirada do morro e aquela visão atrás dele está a uns 20 ou 30 metros para baixo

Outro parágrafo importante que preciso abrir é para falar sobre a maior dificuldade que encontrei e vocês observarão a seguir. A falta de água.
Em toda a travessia da Serra Fina existem quatro pontos de abastecimento, sendo que apenas dois estão no meio do caminho e muito próximos um do outro.
São eles:
Toca do Lobo, no início da trilha;
Base da Pedra da Mina, só no final do segundo dia;
Base oposta da Pedra da Mina, no Vale do Ruar, ou seja, muito perto do ponto anterior. O que causa uma falsa sensação ao montanhista, que não precisará de muita água para o restante da travessia. Este foi o meu maior erro!
No final do quarto dia, já próximo ao Sítio do Pierre.
Como vocês podem observar, na prática, são apenas dois pontos de reabastecimento muito próximos um do outro.
Durante estes dias, o montanhista sofre muito com a escassez de água, já que as subidas são inúmeras e a necessidade de água é muito grande.
Como não podemos atender a esta necessidade, o corpo sofre com a desidratação e o rim começa a reclamar.
A urina fica muito amarela, viscosa e com um odor muito forte.
Nos relatos lidos por mim, recomendava-se que nos abastecêssemos a cada vez, com quatro litros de água, mas a experiência mostrou-me, que, ao menos para mim, que o ideal seriam seis litros por vez.
Acreditem. O esforço em carregar um excesso de peso será muito recompensado no final.
Durante o abastecimento no Vale do Ruar, subestimei minhas necessidades e me abasteci apenas com 3 litros de água. Foi um grande erro, que me faria sofrer no dia seguinte.
Após o Vale do Ruar, descansamos um pouco e seguimos por um interminável sobe e desce de montanhas.
Eram tantas que o GPS marcava pico um, pico2, pico3, etc.
Durante este trecho nos deparamos com um grupo de “montanhistas” que vinham em sentido oposto. Parecia ser um grupo muito heterogêneo, com alguns casais e composto por pessoas bastante jovens.
Eles pareciam estar meio perdidos e o seu “líder” nos informou que haviam pernoitado no Pico dos Três Estados e pretendiam pernoitar naquele dia na Pedra da Mina e descer pelo Paiolinho no dia seguinte.
Aquilo me preocupou, pois já era tarde e eles não tinham referência, apenas um GPS, sem os tracklogs marcados, ou seja, o mesmo que um relógio sem ponteiros.
Estavam perdidos e não sabiam que ainda enfrentariam o Vale do Ruar em pleno cair de tarde no meio da neblina.
Não deve ser nada agradável dormir no Vale do Ruar, pois dizem que é o ponto mais frio e certamente úmido da Serra Fina.
O André, pacientemente deu algumas dicas e seguimos o nosso caminho.
Daí em diante, encaramos um sobe e desce interminável e, quando o tempo permitia, altos visuais das Agulhas Negras. Até que as 14:00h demos uma parada para o lanche.

16/07/09, quinta-feira, 14:11h – A caminho dos Três Estados, demos uma breve parada para descanso. Já estávamos muito cansados

16/07/09, quinta-feira, 14:12h – Companheiros inseparáveis. Minas botas e chapéuEmbora este dia seja muito sofrido, em decorrência do esforço, valeu muito à pena, pois os visuais e a sensação de caminhar sempre pela crista das montanhas causam um sentimento de liberdade imenso


16/07/09, quinta-feira, 14:57h – A caminho dos Três Estados. Caminhando sempre pela crista e seguindo o sol


16/07/09, quinta-feira, 15:00h – Rodrigo, sempre sorridente e com disposição de sobra
16/07/09, quinta-feira, 15:00h – Jackson e Jorginho esperando os "velhos" para continuar
16/07/09, quinta-feira, 15:19h – A bromélia e a montanha no caminho até os Três Estados, com o André ao fundo. Mais uma descida com um “morrinho” à frente para ser vencido


16/07/09, quinta-feira, 15:25h. Observem que na foto anterior, estávamos em um campo de altitude, descendo uma encosta. Seis minutos após, já estávamos encarando este bambuzal. Este é o encanto da Serra Fina. Terreno completamente imprevisível


16/07/09, quinta-feira, 16:01h – Apenas 36 minutos após a foto anterior, já estamos de volta à crista da Serra Fina, contemplando o maravilhoso visual das Agulhas Negras e Prateleiras ao fundo



16/07/09, quinta-feira, 16:22h – Rodrigo maravilhado com o visual chegando a mais uma crista
Por volta das 17:30as chegamos finalmente no Pico dos Três Estados. Cansados e felizes por ser o último pernoite na montanha.

Montamos o acampamento e fomos logo comer, pois estávamos todos muito extenuados.
O interessante nos Três Estados, é que lá, os ratinhos são mais abusados. Eles não esperam a gente dormir para atacar. Enquanto preparávamos a refeição, eles já iam chegando sorrateiramente para pegar o suborno deles.
A topografia do Pico dos três Estados, é muito parecida com o do Capim Amarelo. Capim de Anta alto com clareiras protegidas do vento. Muito legal e com um solo confortável e plano.
A noite nos Três Estados não foi muito agradável. Não sei se foi pela ansiedade da última noite, se foi o receio dos terríveis ratinhos, ou se foi a sede interminável que me forçava a dar pequenos goles durante a noite, a fim de poupar água. O que sei é que não dormi quase nada.
Fato curioso é que em dado momento da madrugada, acordei para fazer o número um. Como estava muito frio, resovi depositar o líquido em uma de minhas garrafas que já estavam vazias.
Até aí tudo bem. Até que eu vi o resultado na manhã seguinte...

FIM DO QUARTO DIA


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